quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Cinco pilares fisiológicos mais importantes para melhorar sua natação.

Galera,
segue o artigo escrito por mim e pelo meu treinador Roberto Lemos na edição especial de Natação da revista MundoTRI. Pra quem não leu ou não é assinante, aí está!





Cinco pilares fisiológicos mais importantes para melhorar a sua natação

                Embora a fisiologia humana seja uma só, e os pilares abordados aqui sejam integrantes das três disciplinas do triathlon, tentaremos ao máximo adaptar os comentários e o contexto para o tema desta edição especial, que é a natação.
                O desempenho final em uma prova é um composto da melhoria de diversas valências fisiológicas - que aqui chamaremos de pilares -, tal como num bolo, tendo cada um a sua parcela de importância e relevância. Um bom atleta é aquele que tem estas valências bem dosadas e equilibradas, e, sabendo disso, você poderá saber como começar ou continuar a trabalhar em cima da sua natação.
                Um ponto crucial antes de entramos na discussão deste tema é a negligência de muitos triatletas com esta modalidade – principalmente pelos amadores. Dentro do triathlon profissional, dada a dinâmica alucinante da prova, seja num triathlon olímpico ou num Ironman, negligenciar esta modalidade pode significar um tiro no pé. Não se sabe ao certo ainda o porquê e a origem disto, entretanto, uma causa provável é a maior exigência técnica desta modalidade, que choca-se com o início tardio de muitos praticantes no triathlon – o que não significa uma condição para uma má natação. É possível aprender a nadar depois dos 30, mas são muito poucos aqueles que se dedicam durante anos e anos no aspecto técnico desta modalidade, e porque, em geral, para muitos, o discurso é que o esforço despendido não é compensado pelo ganho de tempo na principal prova em que competem, que é o Ironman. Mas, dentro do aspecto metodológico e fisiológico, não há nada que impeça um triatleta que tenha começado a nadar tarde a alcançar um nível de natação competitivo para a maioria das provas de triathlon – desde que ele saiba que pontos deve trabalhar e como deve trabalhar, e que isto vai levar tempo – bastante tempo. É muito comum ouvir queixas dos triatletas que nadar é desconfortável, desmotivante, que a sensação é de não render dentro da água, o que acaba gerando desmotivação e consequentemente maior prioridade para o ciclismo e a corrida. Não é tão natural para o ser humano sair nadando como é sair correndo...
                Para abordarmos os aspectos fisiológicos, outra ressalva – existe um pilar, acima de toda a parte fisiológica, que é a condição básica para a execução de todos os esforços, que é o aspecto biomecânico – leia-se técnica. Isto acontece porque,  através da eficiência biomecânica que é possível se atingir as zonas fisiológicas propostas para cada intensidade de esforço. Muitas vezes, um atleta ineficiente, não conseguirá fazer um trabalho decente de VO2 máximo, pois não tem fundamento técnico que o permita manter-se nesta intensidade. A técnica pode – e deve – ser trabalhada em todos os momentos do treinamento e da vida do atleta. No período de base e no período competitivo, na etapa de formação ou às vésperas de uma olimpíada. Existe sempre algum ponto a ser melhorado, algum detalhe a ser corrigido. É só visitar uma sessão de treinamento de nadadores de alto nível, numa piscina com mais de 30 nadadores, que religiosamente começam o treino com educativos das mais variadas linhas – sensibilidade, coordenação, correção mecânica – e com um técnico que está sempre em cima sinalizando as correções durante o nado. Tanto os educativos como a correção durante o nado contínuo são métodos eficientes, e que devem ser combinados. Esse é um dos motivos que faz da natação uma modalidade onde a presença do técnico na borda da piscina é essencial. Os triatletas, sempre que puderem, devem procurar uma escola de natação, uma equipe de másters ou uma equipe de nadadores em que possam fazer parte e ter um acompanhamento mais próximo para que este aspecto seja sempre trabalhado.
                Enfim, discutido estes pontos de introdução, vamos à parte fisiológica – para efeitos didáticos, serão abordados do mais geral para o mais específico.

- Condição aeróbica

                Este aspecto é a base fisiológica para a melhoria de todos os outros. É através da melhoria da sua condição aeróbica onde as adaptações cardiovasculares acontecerão, como redução da frequência cardíaca de repouso e durante o esforço, aumento do metabolismo das gorduras – o corpo humano possui um estoque muito maior de gorduras do que de carboidratos; o atleta que for mais eficiente com este tipo de combustível, se tornará mais independente e econômico do que outro menos treinado; aumento do débito cardíaco – o débito cardíaco é o produto da frequência cardíaca (FC) pelo volume sistólico (VS); para cada contração do músculo cardíaco, existe um volume de sangue ejetado na sístole, sendo o do ventrículo esquerdo o mais importante, e, através da multiplicação pela FC, têm-se o volume de sangue ejetado por minuto, que é o débito cardíaco (DC) – aumento da vascularização, aumento da quantidade de mitocôndrias – as mitocôndrias são as enzimas responsáveis pela produção de energia aeróbica.
                A melhoria da condição aeróbica básica deve ser feito essencialmente com estímulos de intensidade baixa a moderada, e da condição aeróbica específica com estímulos de intensidade moderada a forte (até o VO2 máximo). Na natação, isto pode ser alcançado através de séries de volume mais elevado e intensidade moderada, com microintervalos. Um exemplo, para um nadador que possui 20min nos 1.500m (1’20/100m), seria 6x400m a cada 6min15 com chegadas para 5’45 (ritmo de 1’27/100m).

- Limiar anaeróbico
               
                Mais próximo da intensidade de ritmo de prova, o treinamento no limiar anaeróbico é fundamental para a melhoria da capacidade funcional, eficiência na zona de prova e máximo estado estável do condicionamento aeróbico. Como já dissemos em outras colunas sobre fisiologia, o limiar anaeróbico é o máximo estado estável do condicionamento aeróbico, onde ainda existe um equilíbrio entre a produção e a remoção do lactato sanguíneo, estabilidade ventilatória (respiração), estabilidade de frequência cardíaca e estabilidade orgânica. Um bom indicador subjetivo na natação para os treinos de limiar anaeróbico é observar a técnica do nadador. Até esta intensidade, é possível que o nadador consiga treinar dentro do seu padrão de braçadas habitual e nível de esforço habitual. Se o treinador notar que o número de braçadas está aumentando, ou que o atleta está perdendo eficiência e, como se diz popularmente, “batendo na água”, isto pode indicar zona errada ou pouco glicogênio muscular. O atleta que possui um limiar bem treinado provavelmente é aquele que vai puxar o pelotão durante a etapa da natação, pois é muito eficiente no nado estável e possui bastante endurance muscular específica. Para o nosso nadador hipotético, que possui 20min nos 1.500m, um exemplo de séries de limiar anaeróbico pode ser 15 a 20x100m a cada 1min30 com chegadas para 1min20 a 1min18. As séries também são feitas com microintervalos pois o que se visa aqui é melhorar a eficiência nesta zona, e não a aquisição de velocidade.

VO2 máximo –

                 Esta valência traduz a capacidade máxima de trabalho do metabolismo aeróbico. Para que seja plenamente atingida, são necessárias sobrecargas de 3 a 8min com recuperação quase que completa, pois as vias de energia são prioritariamente dos carboidratos, e este precisa de tempo para ser ressintetizado, as reservas de adenosina trifosfato (ATP) restauradas e o oxigênio intra-muscular também. Através do trabalho nesta zona, pode-se, além de adquirir velocidade, pois é um trabalho acima da velocidade de competição, também melhorar situações específicas, como os primeiros 400m de uma prova de triathlon. Um atleta com um bom VO2máx provavelmente é aquele que vai passar a primeira bóia puxando o pelotão. A intensidade de trabalho é pesada, e séries-padrão, para o nosso nadador hipotético, que tem 20min nos 1.500m (1min20/100m), seriam – 3x4x100m saindo em 2min com chegadas para 1min14s a 1min12s, com 5min de intervalo a cada 4 repetições, ou 3min solto.

Potência anaeróbica –
               
                Mais específica ainda para determinadas situações, a potência anaeróbica traduz a capacidade do atleta de produzir lactato. Um atleta bem treinado nesta zona consegue produzir concentrações de lactato superiores a 10 mmol/L (um valor bem alto, considerando que adota-se em geral 4mmol/L a concentração de lactato para o limiar anaeróbico). É necessária a recuperação completa após cada tiro nesta zona para que se treine eficientemente nela. É muito comum, através da percepção do esforço, atletas treinarem erroneamente, pois as sensações percebidas nem sempre refletem fielmente o que acontece no ambiente interno do corpo. É necessário também um bom estoque de glicogênio para o trabalho nesta zona, que é plenamente glicolítica (só utiliza carboidratos como fonte de energia). A produção de lactato é alta e após esta série, indica-se uma soltura mais longa. O trabalho de potência anaeróbica, além de melhorar força e potência muscular, traz ao atleta uma segurança maior e maior independência durante a prova, quando for preciso ter mais força numa largada, ou ataques em bóias, saídas na água, ultrapassagens, tentativas de quebra de pelotão na água (o que é muito comum em acontecer em provas com vácuo). Os triatletas de longa distância podem até se beneficiar do trabalho nesta zona, mas somente em alguns momentos da temporada e feitos da maneira correta. Dificilmente utilizarão esta zona de esforço durante a prova, portanto, triatletas de provas no formato da ITU ou de provas mais curtas em geral devem gastar mais tempo treinando nessa zona. Um exemplo de série para o nosso nadador hipotético seria – 2x100m a cada 3min para 1min08 a 1min07, 4x50m para 33s e 4x25m para 15s a 14s. O volume de trabalho deve ser reduzido por conta da alta concentração de lactato. Entretanto, como em qualquer periodização, o volume é sempre proporcional a quilometragem semanal rodada.

- Velocidade Alática (VA)

                O trabalho nesta zona é fundamental para a melhoria técnica e da eficiência mecânica de todos os tipos de triatletas, e é muito pouco realizado pela maioria. Nos tiros de velocidade alática, a via utilizada chama-se Creatina Fosfato (ATP-CP), que é uma fonte praticamente instantânea e potente que existe no musculo esquelético. Entretanto, a eficiência dela só dura aproximadamente 10s, onde, a partir daí, entra-se no metabolismo anaeróbico lático (e obrigatoriamente a intensidade de trabalho se reduz). Como não existe produção de lactato nesta zona, apesar de ser metabolismo anaeróbico (sem a presença de oxigênio), é pouco lesiva ao ambiente fisiológico e pode ser feita em todos os momentos da temporada. Um dos maiores benefícios, como já citado, é a melhoria biomecânica e correções técnicas, que são beneficiadas pela alta intensidade e principalmente pelo alta frequência de braçadas. Os tiros de VA são feitos com alta frequência de braçadas, e, neste caso, é muito oportuno o auxílio de materiais para o que se chama de Velocidade Auxiliada (ou velocidade ajudada). Como o objetivo é o exagero biomecânico e melhorar a velocidade de contato com a superfície e finalização de braçada, o uso de nadadeiras ou nadadeiras combinadas com palmares é muito eficiente. As séries podem ser realizadas com ou sem materiais. Um exemplo para o nosso nadador hipotético seria – 10x25m a cada 1min, progressivo a cada 4 braçadas; ou 10x25m 12,5 VA / 12,5 solto. Os tiros não devem durar os 25m inteiros, a menos que você os nade em 10s (o que seria um pouco fora da nossa realidade, visto que o recorde mundial de 25m é muito próximo disto). Portanto, utiliza-se somente uma parte do tiro de 25m para se realizar este trabalho. Pode ser feito antes da série principal ou após, dependendo do tipo do treino do dia. Nadadores comumente fazem trabalho de velocidade alática todo dia, em todas as sessões de treinamento (manhã e tarde), e os triatletas também podem fazer. Uma variação deste trabalho também pode ser somente realizar com pernadas. Funciona da mesma maneira.

Por fim, acreditamos que estas são as valências fisiológicas mais importantes, apesar de existirem outros aspectos, como força, fundamentos, tipos de pernada, sensibilidade, que também compõe o desempenho desportivo na natação. Esperamos que os exemplos também tenham ajudado a visualizar não somente a teoria, mas como aplicar em seu treino.
Até a próxima!